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domingo, 6 de julho de 2014

CARTA DA SENHORA GASTÃO A CONDESSA DE L'ESTORADE


CARTA DA SENHORA GASTÃO À CONDESSA DE L'ESTORADE 
20 de maio
Renata, chegou a desgraça; não, ela caiu em cima da tua pobre Luíza com a rapidez do raio e tu me compreendestes: a desgraça para mim é a dúvida. A convicção seria a morte.  Anteontem, após minha primeira toilette, procurei Gastão por toda a parte para darmos um pequeno passeio antes do almoço, e não o encontrei: Fui à estrebaria, vi sua égua banhada de suor, enquanto o groom com o auxílio de uma faca, limpava os flocos de espuma antes de enxugá-la. 
- Quem pôs Fedelta em semelhante estado?  perguntei. 
- O patrão - respondeu o menino. 
Verifiquei nos jarretes da água a presença da lama de paris, a qual não se parece com a do campo.
- Foi a Paris - pensei. 
Esse pensamento fez jorrarem outros mil no meu coração, afluindo a este todo o meu sangue. Ir a Paris sem nada me dizer, aproveitar a hora em que o deixo só, ir e voltar com tanta rapidez, a ponto de deixar Fedelta quase estafada!... A suspeita constringiu-me com seu terrível laço a ponto de me tolher a respiração. Retyirei-me a alguns passos dali, e sentei-me num banco para tentarrecuperar a calma. Gastão supreendeu-me nesta situação, lívida, assustadora, segundo parece, pois disse-me: - Que tens? tão precipitadamente e com um tom de voz inquieto que me levantei, e segurei-lhe o braço; mas tinha as articulações sem força e me vi constrangida a sentar outra vez; ele, então, tomou-me nos braços e levou-me a dois passos dali, para a sala de estar, onde a nossa criadagem assustada nos havia seguido; Gastão, porém, com um gesto, os mandou embora. Quando ficamos sós, pude, sem nada lhe querer dizer, fugir para o meu quarto onde me fechei para poder chorar à vontade. Gastão permaneceu cerca de duas horas,atrás da porta ouvindo os meus soluços, interrogando a sua criatura, com uma paciência de anjo, e e sem responder-lhe. 
- Eu o receberei quando meus olhos não estiverem mais vermelhos e quando minha voz não tremer mais - respondi-lhe por fim. 
O tratamento cerimonioso o fez retirar-se da casa. Lavei os olhos com água gelada, refresquei meu rosto, a porta do nosso quarto se abriu e e o encontrei ali; ele voltara sem que eu ouvisse o ruído de seus passos. 
- Que tens? - perguntou-me. 
- Nada - respondi. - Reconheci a lama de Paris nos jarretes cansados da Fedelta, não compreendi que tivesse ido sem me prevenir, és livre. 
- Como castigo por tuas desconfianças criminosas, só amanhã saberás dos meus motivos - respondeu ele. 
- Olha-me - disse-lhe eu. 
<mergulhei os olhos nos seus; o infinito penetrou o infinito. Não, não percebi aquela nuvem que a infidelidade espalha na alma e que deve alterara pureza das pupilas. Apresentei tranquilidade, conquanto continuasse inquieta. Os homens, tanto como nós, sabem enganar e mentir! Não nos separamos mais. Oh! querida, quanto por momentos, ao olha-lo, me senti indissoluvelmente presa a ele. Que tremores interiores me agitaram quando ele voltou depois de ter-me deixado só por um instante! Minha vida está nele e não em mim. Dei desmentidos cruéis á tua cruel carta. Senti eu jamais essa dependência com aquele divino espanhol para quem eu era o que este atroz pequeno é para mim?  Como odeio aquela égua! Que tolice a minha, em ter comprado cavalos! Mas seria preciso também cortar os pés de gastão, ou detê-lo no Chalé. Esses estúpidos pensamentos me ocuparam, por aí podes julgar da minha loucura. Se o amor não lhe construiu uma jaula, não há poder capaz de reter um homem que se entedia. 
- Eu te aborreço? - perguntei-lhe à queima-roupa. 
- Como te atormenta sem motivo! - respondeu-me com os olhos cheios de uma meiga piedade. - Nunca te amei tanto. 
- Sei isso é verdade, meu anjo adorado - repliquei-lhe - deixa-me mandar vender Fedelta. 
- Vende! - disse ele. 
Essa palavra como que me aniquilou. Gastão parecia dizer-me: "Só tu és rica, aqui; eu nada sou, minha vontade não existe". Se ele não o pensou, eu acreditei que o pensava e deixei-o novamente para me ir deitar; anoitecera.
Ó Renata, na solidão, um pensamento devastador nos leva ao suicídio. Os deliciosos jardins, a noite estrelada, a frescura que me trazia em ondas de perfume de todas as nossas flores, nosso vale, nossas colinas tudo me parecia sombrio, negro e deserto. Achava-me como que no fundo de um precipício entre serpentes e plantas venenosas; não via mais Deus no céu. Depois de uma noite dessas  uma mulher envelhece. 
- Monta Fedelta, vai a Paris - disse-lhe eu no dia seguinte pela manhã - não a vendamos; gosto dela; ela te carrega!
Não obstante, ele não se enganou com o meu acento, onde transparecia a raiva interior que eu tentava ocultar. 
- Confiança! - respondeu estendendo-me a mão num gesto tão nobre e dirigindo-me um olhar tão nobre que me senti aniquilada. 
- Somos bem pequenas! - exclamei. 
- Mão, amas-me, e eis tudo - disse ele, apertando-me contra si.
- Vai a paris sem mim - disse-lhe, fazendo-lhe compreender que não desistia de minhas suspeitas. 
Ele partiu, eu pensei que ele ficaria em casa. Desisto de te descrever meus sofrimentos. Havia em mim um outro eu, que eu ignorava. Essas espécies de cenas, querida, têm, para uma mulher que ama, uma solenidade trágica que nada poderia exprimir; toda a vida passa ante os nossos olhos, no momento em que elas se realizam, e o olhar não vê nenhum horizonte; o nada é tudo, o olhar é um livro, a palavra carreia blocos de gelo e, num mover de  lábios, lê-se uma sentença de morte. Eu esperava uma retribuição, pois tinha-me mostrado bastante nobre e grande. Subi até o alto do Chalé e segui-o com os olhos, pela estrada. Ah! querida Renata, vi-o desparecer com uma horrível rapidez. 
- Como ele vai correndo para lá! - pensei involuntariamente. Depois, quando me vi só, tornei a cair no inferno das hipóteses, no tumulto das suspeitas. Por vezes, a certeza de ser traída parecia-me um bálsamo, comparada com os horrores da dúvida!  A dúvida é o nosso duelo com nós mesmas, e nela nos fazemos terríveis ferimentos. Caminhava, girava em torno das alamedas, voltava ao Chalé, saía como uma louca. Tendo partido à sete horas, Gastão só voltou às onze; e, como pelo parque de Saint-Cloud e pelo Bosque de Bolonha, basta uma maia hora para ir a Paris, é claro que ele lá passara três horas. Entrou triunfante, trazendo-me um pingalim de borracha com castão de ouro. 
Fazia quinze dias que eu não tinha chicote; o meu, gasto e velho, se partira. 
- E foi por isso que me torturaste? - disse-lhe, admirando o trabalho daquela joia que contém uma caçoila na extremidade. 
Depois compreendi que aquele presente ocultava um novo engano; mas saltei-lhe prontamente ao pescoço, não sem lhe fazer ternas recriminações por ter-me imposto tão grandes tormentos por uma ninharia.  Ele se julgou muito esperto. Vi então na sua atitude, no seu olhar, aquela espécie de alegria interior que se sente quando impingimos uma mentira; escapa-se de nossa alma comoque um clarão, como um raio de nosso espírito que se reflete nas feições e que se desprende com os movimentos do corpo. Ao admirar aquele lindo objeto, perguntei-lhe, num momento em que nos olhávamos:
- Quem fez para ti esta obra de arte? 
- Um artista amigo meu. 
- Ah! Verdier o armou - acrescentei ao ler o nome do negociante, que estava impresso no pingalim. 
Gastão ficou como uma criança, corou. Cobri-o de carícias por ter tido pejo de me enganar. Fiz-me de inocente, e ele pôde julgar tudo terminado. 
Outra carta à 25 de maio.
No dia seguinte, cerca das seis horas, vesti meu traje de montar e, às sete horas, apresentei-me no estabelecimento de Verdier, onde vi vários pingalins do mesmo modelo.  Um caixeiro reconheceu o meu que lhe mostrei.
continuo em seguida


CARTA DA CONDESSA DE L'ESTORADE À SENHORA GASTÃO

CARTA DA CONDESSA DE L'ESTORADE À SENHORA GASTÃO
16 de julho 
Querida Luíza, mando-te esta carta por um mensageiro antes de eu mesma voar para o Chalé. Acalma-te. Tua última carta me pareceu tão insensata que acreditei poder, em semelhante circunstância,  confiar tudo a Luiz; tratava-se de te salva, a ti mesma. Se, como tu, empregamos horríveis meios, o resultado é tão infeliz que tenho certeza de tua aprovação. Desci ao ponto de fazer intervir a polícia, mas isto é um segredo entre o prefeito, nós e tu. Gastão é um anjo! Eis os fatos: O irmão dele, Luiz Gastão morreu em Calcutá a serviço de uma companhia comercial, no momento em que ia regressar à França, rico, feliz e casado. A viúva de um negociante inglês dera-lhe a mais brilhante fortuna.  Depois de dez anos de trabalhos empreendidos, a fim de mandar o necessário para a vidado irmão, a quem adorava e a quem nunca falava de suas decepções, mas suas cartas, para não afligi-lo, ele foi tomado de surpresa pela falência do famoso Halmer. A viúva ficou arruinada. O golpe foi tão violento, que Luiz Gastão perdeu a cabeça. Com o enfraquecimento da moral, a doença assenhoreou-se do corpo e ele sucumbiu em Bengala, onde fora salvar os restos da fortuna de sua pobre mulher. Esse querido capitão depositara num banco uma primeira quantia de trezentos mil francos para mandá-la ao irmão, mas esse banqueiro arrastado pela falência Halmer, turou-lhe esse último recurso. A viúva de Luiz gastão, essa bela mulher que tomaste por tua rival, chegou a Paris com dois filhos, que são teus sobrinhos, e sem vintém. As jóias da mãe mal e mal deram para pagar a passagem da família. As informações que Luiz Gastão dera ao banqueiro para mandar o dinheiro a Maria Gastão serviram à viúva para achar o antigo domicílio de teu marido. Como o teu Gastão desapareceu sem dizer para onde ia, mandaram a senhora Luiz Gastão à casa de d'Arthez, a única pessoa que podia dar informações sobre Maria Gastão. D' Arthez foi tanto mais generoso em atender às primeiras necessidades dessa jovem senhora, por ter Luiz Gastão, há quatro anos, no momento de seu casamento, indagado de seu irmão junto ao nosso célebre escritor, por sabê-lo amigo de Maria. O capitão pedira a d'Arthez o meio de fazer essa importância chegar com segurança às mãos de Mari Gastão. D'Arthez respondera que Maria Gastão se tornara rico com seu casamento com a baronesa de Macumer. A beleza, esse magn[ifico presente da mãe, salvara nas Índias com em Paris, os dois irmãos de qualquer infortúnio. Não achas isso uma história comovente? D'Arthz escreveu, como era natural, ao teu marido, contando o estado em que se achavam a sua cunhada e os seus sobrinhos e informando-o das generosas intenções que o acaso fizera abortar, mas que o Gastão da Índia tivera para com o Gastão de Paris. O teu querido Gastão, como deves imaginar, acorreu precipitadamente a paris. É essa a história de sua primeira excursão. Durante cinco anos, ele economizara cinqyuenta mil francos, sobre a renda que o forçaste a receber, e os empregou em duas inscrições de mil e duzentos francos de renda cada uma, em nome dos sobrinhos; depois mandou mobiliar esse apartamento, onde mora tua cunhada, prometendo-lhe três mil francos cada trimestre. Eis a história dos seus trabalhos no teatro e do prazer que lhe cousou o êxito de sua primeira peça. Assim, pois, a senhora Gastão, não é tua rival e usa muito legitimamente  o teu nome.  Um homem nobre e delicado, como Gastão, devia ocultar-te essa aventura, por temos de tua generosidade. O teu marido não considera seu o que tu lhe deste. D'Arthez leu-me a carta que ele lhe escreveu para pedir-lhe que fosse uma das testemunhas do vosso casamento. Maria Gastão nela diz que sua felicidade seria completa se não tivesse dividas para te deixar pagar e se fosse rico. Uma alma virgem não é senhora de não ter tais sentimentos; estes existem, ou não existem; e quando existem concebem-se as suas delicadezas e exigências. É muito simples que o teu Gastão tnha querido dar em segredo, ele próprio, uma existência conveniente à viúva do irmão, quando essa mulher lhe ia mandar cem mil escudos de sua própria fortuna. Ela é bonita, tem grande coração, maneiras distintas, mas não tem espírito. Essa mulher é mãe; já se deixa ver que me liguei a ela assim que a vi, vendo-a com um filho pelo braço e com o outro vestido como baby de um lorde. Tudo para os filhos! está escrito nela nas menores coisas. Assim, longe de te zangares com teu adorado gastão, tudo o que tens são novos motivos para amá-lo! Entrevi-o, é o moço mais encantador de Paris. Oh! sim, queridinha, bem compreendi ao vê-lo que uma mulher o amasse loucamente; ele tem a fisionomia da sua alma. Em seu lugar, eu levaria para o Chalé a viúva e os dois filhos, fazendo construir para eles uma deliciosa casa de campo, e fari deles meus filhos! Acalma-te pois, e por tua vez prepara essa surpresa para Gastão. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

CARTA DA SENHORA GASTÃO À CONDESSA DE L'ESTORADE

CARTA DA SENHORA GASTÃO À CONDESSA DE L'ESTORADE 
Ah! minha bem amada, ouve a terrível, a fatal, a insolente frase do imbecil Lafayette ao seu senhor, ao seu rei: "É demasiado tarde!" - ("il est trop tard!"- Esta frase famosa foi pronunciada por Lafayette quando, presidente da comissão instalada na Prefeitura de Paris durante a Revolução de julho de 1830, recebia a carta pela qual o rei Carlos X revogava seus decretos de 25 do mesmo mês, cujo caráter reacionário tinha provocado a revolução. Poucos dias depois o duque de Orléans , chefe do ramo secundogênio, ocupou o trono sob o nome de Luiz Fillipe.) 
Oh! minha vida, minha bela vida! qual o m´dico que me assistirá? Golpeei-me mortalmente. Ai de mim! não era eu um fogo-fátuo destinado a extinguir-se depois de ter brilhado? Meus olhos são duas torrentes de lágrimas e... não posso chorar senão longe dele... Fujo-lhe e ele me procura. Meu desespero é todo interior. Dante esqueceu meu martírio no seu Inferno. Vem ver-me morrer. 
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Nicéas Romeo Zanchett 

CARTA DA CONDESSA L'ESTORADE AO CONDE L'ESTORADE

CARTA DA CONDESSA L'ESTORADE AO CONDE L'LESTORADE 
De Memórias d duas jovens esposas 
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Do Chalé, 7 de agosto
"Meu amigo, leva as crianças e faze sem mim a viagem à Provença; fico junto de Luíza que só tem poucos dias de vida, devo-me a ela e ao seu marido que, segundo creio, enlouquecerá. 
Depois de escrever o bilhete que conheces e que me fez voar, acompanhada dos médicos, a Ville-d'Avray, não me separei dessa mulher encantadora e não te pude escrever, pois é esta a décima quinta noite que passo com ela. 
Ao chegar, encontrei-a com Gastão, bela e enfeitada, com a fisionomia risonha, feliz. Que mentira sublime! Essas duas belas crianças tiveram uma explicação. Durante um momento, eu, como Gastão, fui enganada por aquela audácia, mas Luíza apertou-me a mão e me disse ao ouvido: 
- É preciso iludi-lo, estou morrendo.
Um frio glacial envolveu-me ao sentir-lhe as mãos ardendo e as faces vermelhas. Aplaudi-me por minha prudência. Eu tivera a ideia, para não assustar ninguém, de dizer aos médicos que ficassem passando pelos bosques até que os mandasse chamar.  
- Deixa-os - disse ela a gastão. - Duas mulheres que se reveem após cinco anos de separação tem muitos segredos a se confiar e Renata, sem dúvida, alguma confidência a fazer-me. 
Uma vez a sós, ela se atirou em meus braços sem poder conter as lágrimas. 
- Mas que há? - perguntei. - Em todo o caso, trago-te o primeiro cirurgião e o primeiro médico do Hospital, com Bianchon;  enfim, são quatro. 
- Oh! se eles pudessem salvar-me, se ainda for tempo, que venham! - exclamou ela. O mesmo sentimento que me induzia a morrer, infelizmente agora a viver. 
- Mas que fizeste? 
- Tornei-me tísica em último grau, em poucos dias. 
- E como? 
- Tomava suadores à noite e corria para junto do açude, no orvalho. Gastão julga-me resfriada, e eu estou morrendo.  
- Manda-o a Paris; eu mesma vou buscar os médicos - disse correndo como uma insensata para o lugar onde os tinha deixado. 
Infelizmente, meu amigo, feita a conferência, nenhum desses sábios deu a menor esperança, todos acham que com a queda dos sábios deu a menor esperança, todos acham que com a queda das filhas Luíza morrerá.  A constituição dessa querida criatura favoreceu singularmente o seu intento: tinha tendências para a doença que el acelerou; teria podido viver muito tempo, mas em poucos dias tornou tudo irreparável. Não te direi minhas impressões ao ouvir essa sentença perfeitamente justificada. Sabes que vivi tanto por Luíza como por mim.  Fiquei aniquilada, e não pude reconduzir os cruéis doutores.  Com o rosto banhado em lágrimas, passei não sei quanto tempo mergulhada numa meditação. Uma vez celestial tirou-me do meu entorpecimento com estas palavras; "Então, estou condenada!" ditos por Luíza que pousava a mão no meu ombro. Fez-me levantar e levantou-me para o seu pequeno salão. 
- Mão me deixes mais - pediu-me com um olhar suplicante; - não quero ver desesperos em torno de mim; sobretudo quero enganá-lo, a ele, e terei forças para isso. Sinto-me cheia de energia,de mocidade  e saberei morrer de pé. Quanto a mim, não me queixo, morro como tantas vezes desejei: aos trinta anos, jovem, bela, íntegra. Quanto a ele, vejo que o faria infeliz. Deixe-me prender nas redes do meu amor, como uma corça que se estrangula ao se impacientar por se ver presa;  das duas sou eu a corça... e muito selvagem. Meus injustificados ciúmes já lhe martelam o coração de modo a fazê-lo sofrer. No dia em que minhas suspeitas se topassem com a indiferença que é o prêmio que o ciúme atrai, pois bem... eu morreria. Estou quite com a vida. Há seres que tem sessenta anos de serviço nos registros da terra e que de fato não viveram dois anos e inversamente eu pareço ter apenas trinta anos, mas na realidade tenho sessenta anos de amor. Assim pois, para mim e para ele, este desenlace é feliz. Quanto a nós duas é uma outra história: tu perdes uma irmã que te ama, e essa perda é irreparável. Somente tu, aqui, deves chorar minha morte. Minha morte - continuou ela, apos uma longa pausa durante a qual eu a vi através de um véu de lágrimas - traz consigo uma cruel lição. Meu querido doutor de saias, tens razão: o casamento não pode ter como base a paixão, nem mesmo o amor. Toda vida é nobre e bela, caminhaste na tua via, querendo cada vez mais ao teu Luiz, ao passo que começando a vida conjugal com um ardor extremo, este não pode senão decrescer. Errei duas vezes e duas vezes a morte veio esbofetear a minha felicidade com sua mão descarnada. Tirou-me o mais nobre e o mais dedicado de todos os homens; hoje, a magra rapta-me do mais belo , do mais sedutor, ao mais poético dos maridos deste mundo. Mas, alternadamente, terei conhecido o belo ideal da alma e o da forma. Em Felipe a alma dominava o corpo e o transformava, em gastão, o espírito e a beleza  rivalizam. Morro adorada, que posso mais querer?... Reconciliar-me com Deus que talvez negligenciei um pouco, e para o qual me dirigirei cheia de amor, pedindo-lhe que me restitua um dia no céu, aqueles dois anjos.  Sem eles, o paraíso para mim seria um deserto. Meu exemplo seria fatal; sou uma exceção. Como é impossível encontrar Felipe ou gastão, a lei social nisto está de acordo com a lei natural. Sim, a mulher é um ser fraco que deve ao casar-se, fazer inteiro sacrifício da sua vontade ao homem, que em troca deve fazer-lhe o sacrifício do seu egoísmo. As revoltas e os prantos que o nosso sexo ergueu e divulgou nestes últimos tempos, com tanto estridor, são tolices que nos tornaram merecedoras da qualificação de crianças, que tantos filósofos nos deram. 
Luíza continuou a falar assim, com voz meiga que lhe conheces, dizendo as mais sensatas coisas, do modo mais elegante, até que Gastão voltou trazendo de Paris a cunhada, com as duas crianças e a ama inglesa , que Luíza lhe pedira, fosse buscar. 
- Eis os meus lindos algozes - disse ela ao ver os sobrinhos. - Não era natural que me enganasses? Como se parecem com o tio! 
Foi encantadora com a senhora Gastão sênior, a quem pediu que se considerasse no Chalé como na sua própria casa, e fez-lhe as honras da casa com essas maneiras à Chaulieu que possui no mais alto grau. Escrevi imediatamente ao duque e à duquesa de Chaulieu, ao duque de Rhétoré e ao duque de Lenoncourt- Chaulieu , bem como à Madalena. Fiz bem. No dia seguinte, cansada de tanto esforço, Luíza pode dar seu passeio; nem sequer se levantou, a não ser para assistir ao jantar. 
Madalena de Lenoncourt, os dois irmãos e a mãe, vieram à noite. A frieza, que o casamento de Luíza pusera entre ela e sua família, dissipou-se. A partir dessa noite, os dois irmãos e o pai de Luíza tem vindo todas as manhãs a cavalo, e as duas duquesas passam no Chalé todas as noites. A morte aproxima tanto quanto separa, faz com que as paixões mesquinhas emudeçam. Luíza é sublime de graça, de razão, de seduções, de espírito e de sensibilidade. Até o último momento, envidencia esse bom gosto que a tornou tão notável e nos galardoou com os tesouros desse espírito, que fazia dela uma das rainhas de Paris. 
Quero estar bonita até no meu caixão - disse-me com aquele sorriso que é só dela, ao recolher-se ao leito para nele deperecer nesses últimos quinze dias. 
No seu quarto não há vestígios de doenças; as poções, os tubos de borracha, toda a aparelhagem médica está oculta. 
- Não é que estou tendo uma bela morte? - dizia ela ontem ao cura de Sèvres, a quem deu sua confiança. 
Nós desfrutamos dela como avarentos. Gastão, que tem sido preparado por tantas inquietações e tantas horríveis evidências, tem-se mostrado corajoso, mas está atingido; não me admirarei se o vir seguir de perto a esposa. (Não me admirarei se o vir seguir de perto a esposa, O fim de Maria Gastão é contado em "O deputado de Arcis".)  Ontem, à margem do açude, disse-me: - Devo ser o pai dessas duas crianças... - E mostrava-me a cunhada que fazia os sobrinhos passarem. - Mas, embora nada pretenda fazer para me ir deste mundo, prometa-me ser uma segunda mãe para eles e consentir que seu marido aceite a tutela oficial, que eu lhe confiei juntamente com minha cunhada. 
Disse isso sem a menor ênfase e como um homem que se sente perdido. Sua fisionomia responde com o sorriso aos sorrisos de Luíza e somente eu não me engano com esse jogo. Ele mostra uma coragem igual à dela. Luíza quis ver o afilhado; mas não me desgostei de ele estar na Provença, pois ela poderia querer fazer-lhe algumas liberalidade que muito me embaraçariam. Adeus, meu amigo. 
25 de agosto (dia do santo de seu nome)
Ontem à noite, durante alguns momentos, Luíza delirou; mas foi um delírio verdadeiramente elegante, que demonstra que as pessoas de espírito não enlouquecem do mesmo modo que os burgueses e os tolos. Cantou com voz abafada algumas árias italianas do Puritoni, da Sonnâmbula e da Mosé - ( Os Puritani, A sonnâmbula, e o Mosé  são óperas italianas, com música de Bellini as duas primeiras e de Rossini a terceira.) . Estávamos todos silenciosos em torno do leito, e todos, inclusive o seu irmão Rhétore, ficamos com os olhos cheios de lágrimas, tão claro estava que a sua alma assim se evolava. Não nos via mais! nos atrativos daquele canto e de uma meiguice divina havia ainda toda a sua graça.  A agonia começou à noite. Acabo, às sete horas da manhã, de a levantar; ela recuperou alguma força e quis sentar-se junto à janela; pediu a mão de gastão... Depois, meu amigo, o anjo mais encantador que poderemos ver neste mundo, nada mais nos deixou que os seus despojos. Tendo recebido, na véspera, a extrema-unção, sem que Gastão o soubesse, pois durante a terrível cerimônia estivera a dormir, ela me exigira que lhe lesse em francês o De profundis, enquanto se conservava assim frente a frente com a bela natureza que para si própria criara. Mentalmente repetia as palavras e apertava as mãos do marido, ajoelhado do outro lado da poltrona.  
26 de agosto
Tendo o coração despedaçado. Acabo de vê-la no seu sudário, onde está pálida com tonalidades violetas. Oh! quero ver os meus filhos! os meus filhos! Traze-me os meus filhos a meu encontro. 
Paris, 1841. 
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CENAS DA VIDA PRIVADA 
Com sua magnífica obra Comédia Humana, Balzac nos proporcionou as mais diversas cenas da vida como ela é. 
Para ler a história de Balzac, acesse >>HISTÓRIA COMPLETA DA VIDA DE BALZAC  
Nicéas Romeo Zanchett